Imagem capa - ALIMENTAÇÃO SEGUNDO A ANTROPOSOFIA por Colmeia Jardim Escola

ALIMENTAÇÃO SEGUNDO A ANTROPOSOFIA

“As pessoas descobriram que muitas moléstias da época moderna devem ser atribuídas ao estilo de vida atual, e se o homem quer tornar-se senhor do seu organismo, deve escolher conscientemente a sua alimentação.”  

Rudolf Steiner


Falar desse tema é algo bastante especial, principalmente nos dias de hoje. Trazer consciência para diversos aspectos que envolvem a alimentação e que andam meio esquecidos ou ignorados é bastante importante quando temos em foco o desenvolvimento de crianças e a formação social de uma comunidade como é o caso das escolas waldorf.


O alimento traz consigo um enorme aprendizado se nos dispomos a olhar com mais calma e profundidade. Desde sua produção que envolve: o ambiente, a terra, o controle de “pragas” (e vejam que aqui colocamos “pragas” entre aspas, pois este conceito também precisa de outro olhar, mas isso é assunto para outro post), os agricultores e a valorização do seu trabalho, toda uma cadeia de transporte e ponto de venda, economia etc. 

Mas, além disso tudo, outros aspectos extremamente importantes precisam ser vistos, para que talvez assim possamos dar o devido valor à nossa alimentação e à dos pequenos.


Bem, vamos caminhar mais um pouco e abordar a alimentação sob três pontos de vista bem pertinentes ao desenvolvimento infantil, que é o foco da escola waldorf.


1.  ALIMENTAÇÃO OU NUTRIÇÃO?


Aquele que compreende bem a nutrição, 

compreende o começo da cura.” 

Rudolf Steiner


Compartilhamos aqui com vocês um texto de Amanda Regina Buonavoglia, nutricionista com amplo conhecimento em Antroposofia, que mostra alguns aspectos bem importantes dessa perspectiva.


“Na Antroposofia a ideia de nutrição, em contraponto com alimentação, engloba conceitos como: características de personalidade, biografia, história familiar e individualidade. De acordo Rudolf Steiner, não comemos para ter em nós determinadas substâncias corpóreas, mas sim para termos as forças que podemos humanizar e vencer a morte. Um alimento não é constituído apenas de elementos químicos materiais, mas de algo vivo, dinâmico e interage com todo o universo que participa de sua criação.


O processo de alimentação consiste, apenas, em uma escolha de alimentos, enquanto a nutrição é o processo de nutrir o organismo, não somente com calorias ou macronutrientes. Todo o nosso ser está envolvido em cada ingestão de alimento: pensamento, sentimento, vontade, consciência e inconsciência, corpo, alma e espírito.


Sendo assim, alguns sentimentos ou atos que, na maioria das vezes, não são considerados em uma dieta devem ser levados em conta para que seus benefícios possam ser sentidos no corpo e na mente. São eles:


– Devoção: ser grato por todo o processo de alimentação, desde a plantação até o preparo do alimento. Isso porque existem muitas pessoas envolvidas nesse ciclo, que desprendem suas forças assim como a Natureza desprende a sua própria;

– Bondade: a relação com o alimento deve permear o amor, já que cozinhar é um ritual que traz saúde;

– Beleza: a apresentação e a harmonia da composição da refeição acentuam esse sentimento interior;

– Verdade: o consumo de alimentos vivos, ou seja, de como se apresentam na natureza, atendem a necessidade espiritual desse valor;

– Consciência: todo o processo da alimentação deve ter a mesma importância. É essencial mastigar adequadamente e prestar atenção na refeição, sem nenhuma distração, com plena consciência do ato;

– Moderação: segundo Rudolf Steiner a moderação “refina os sentimentos, desperta a capacidade, anima a afetividade e fortalece a memória”.





OS CEREAIS


Devemos considerar também a importância dos cereais na história da  humanidade. O povo nórdico tem a aveia, o mediterrâneo o trigo, os índios o milho, os orientais o arroz, ou seja, existe uma correlação do cereal com a alma humana. No mundo todo, ele é a base da alimentação. A força do impulso vertical dos cereais tem profunda atuação na postura ereta do homem, que é a expressão do seu EU.


Os cereais representam a sabedoria cósmica condensada, traduzida em alimento e energia para auxiliar o desenvolvimento terrestre humano. É fundamental que consideremos o alimento integral, ou íntegro em sua composição. São sete os cereais mais utilizados e representam como em um espelhamento, os sete planetas - que distribuem suas qualidades nos dias da semana.


O alimento deve trazer luz. Infelizmente nos dias atuais temos uma invasão de alimentos industrializados, que não têm luz. Estes alimentos enfraquecem nossa vontade, aumentando a ansiedade e a angústia. A alimentação adequada é necessária à boa saúde, mas é eminentemente um ato de prazer. Em muitos casos precisamos reaprender a apreciar alimentos com os quais nos desacostumamos.”


Por isso temos uma preocupação tão grande dentro da escola em oferecer alimentos vivos que ajudem no processo de constituição da criança de uma forma íntegra.

Outro aspecto que podemos trazer para a reflexão é o processo motor que também está associado à alimentação e que vai influenciar, acreditem ou não, na alfabetização da criança.






2. SENTIDO DO PALADAR E O SISTEMA FONADOR



“Não se trata simplesmente de um aporte quantitativo, 

nosso organismo deve poder acolher 

a totalidade das forças contidas nos alimentos”. 

Rudolf Steiner



Quando pensamos no paladar logo associamos com a boca, órgão responsável por esse sentido. Além da boca estão envolvidos a língua, o palato, os dentes e o nariz (olfato). Entretanto, a boca e todos esses outros órgãos fazem parte também do sistema fonador. Ou seja, o processo de nutrição está intimamente relacionado com a aquisição da fala e dos fonemas!


Podemos identificar dois processos. O primeiro é motor e diz respeito ao movimento que a boca faz nos processos de sucção, mastigação e deglutição. O outro, mais sutil, diz respeito aos sabores.


Somos capazes de perceber seis sabores distintos. Os quatro mais conhecidos são o sal, o doce, o amargo e o azedo. Para cada um deles nossa boca se movimenta de um jeito contraindo e intensificando determinadas partes da língua, lábios e bochechas.


Por incrível que pareça, esses quatro sabores estão relacionados com as consoantes!!!


Alfred Baur, criador da Quirofonética, uma terapia que utiliza o poder criativo e de cura dos fonemas aliados à massagem, e profundo estudioso da antroposofia, fala o seguinte:


“(...) Os mecanismos utilizados para comer e falar são os mesmos. As funções reflexo-vegetativas são consideradas pré-linguísticas, pois preparam os órgãos fonoarticulatórios, adaptando-os para a produção da fala. Estes órgãos utilizados para a nutrição e que foram adaptados para serem utilizados na produção da fala encontram-se na boca, elemento mais externo do aparelho digestório. São utilizados para apreensão, mastigação e deglutição dos alimentos e são fundamentais para modificar o som para a articulação dos fonemas. São eles: lábios, dentes, alvéolos, palato duro, palato mole e úvula. A relação das funções reflexo-vegetativas com os futuros fonemas também foi estudada por Baur.


Os lábios sugam, exercitando um padrão de movimento que, mais tarde, é utilizado para a formação dos sons labiais [m], [b], [p]. Os dentes superiores e o lábio inferior se tocam, as bochechas produzindo um afunilamento para articularmos os sons [f] e [v]. A pressão da ponta da língua, para a deglutição, levantada contra a região dos alvéolos, antes da arcada dentária superior, dirige o movimento ao local da formação dos sons [l], [n], [t], [d], [r]. A língua se dirige para a região alveolar da arcada inferior, um jato de ar projeta-se para este ponto, enfatizando a aproximação dos dentes para [s], [z], [∫]. A deglutição ocorre pela pressão da base da língua contra o palato posterior, onde são formados os sons [k], [g], [ŋ],[x].”


Para cada fonema contrapõe-se à respiração um obstáculo mais fácil ou mais difícil de transpor, sendo este um processo onde tudo está conjugado em sequência. A isto, a pressão respiratória deve adequar-se, numa coordenação de músculos muito primorosa, provavelmente o instrumento mais sutil desta espécie no organismo humano. Este processo de coordenar órgãos para adquirir habilidades específicas na produção dos sons da fala acaba por desenvolver capacidades neuromotoras bastante sofisticadas.


Daí podemos ver a importância de oferecer às crianças sabores diversos, estimular seu paladar, fazer uma introdução alimentar saudável. Sabores artificiais e superestimulantes tiram as possibilidades das sutilezas. Além dos sabores, a língua percebe texturas e temperaturas, e tudo isso deve ser explorado pelos pequenos.


E finalmente, queremos trazer um aspecto mais sutil da alimentação, mas extremamente importante para o processo formativo integral do indivíduo.








3. O CAMINHO SOCIAL DA ALIMENTAÇÃO


“O alimento que existe no pão, não é o pão!” 

 

Angelus Silesius


Ao nos sentarmos à mesa para comermos juntos muitas coisas invisíveis acontecem! Se prestamos atenção se todos já foram servidos antes de começar a comer, se oferecemos mais quando alguém termina, se criamos um ambiente de serenidade em volta da mesa, compartilhando experiências e boas histórias criamos uma base harmoniosa de atenção e cuidado com o outro.


Por que isso é possível justamente nas refeições?


Quando comemos acolhemos vida em nós que é desprendida das substâncias. E vida é espírito! O espiritual desprende-se das substâncias vivas no ato da refeição e irradia-se pelo ambiente.


Outro aspecto importante é a partilha do alimento, que todos possam comer as mesmas coisas, que possam pelo menos experimentar um pouquinho de tudo o que é servido, com gratidão. Nada de “eca” diante de um alimento que envolveu a dedicação de tantas pessoas até chegar à nossa mesa.


O significado da santa ceia não se baseia no fato de cristo ter dado algo especial a cada um dos discípulos, mas de ter dado o mesmo a todos! Na refeição há união do espiritual que vem do alimento com a alma das pessoas formando uma aura toda especial.


O ser humano não se nutre só de alimentos, mas também de ideias, sentimentos, percepções sensoriais, espirituais, por isso também é fundamental levarmos em consideração a fome, o poder de digestão, a idade, o temperamento, o estado de saúde e a cultura local, dentre outros aspectos.


 Bom, o assunto é extenso, muito temos o que pensar, mas esperamos que ajude a entender porque damos tanta ênfase à alimentação na nossa escola, parecendo às vezes, ser radical.


Na colmeia seguimos os cereais da semana, não oferecemos açúcar, nem carne, e os temperos são bem suaves para que não mascarem os sabores da cada alimento.


Se quiserem se aprofundar no assunto sugerimos a coleção “Novos caminhos de alimentação” de Gudrun Burkhard, são 4 volumes e você encontra na Editora antroposófica.